CONCEITO.
O Triplico Ancestral:
Clareiras é a performance pertencente ao Triplico Ancestral, que emerge nas qualidades intrínsecas as anterioridades identitárias desses artistas multimídia inseridos no Ciclo da Mogianidade Caipira, este que é espectro de pesquisa, vivencia e criação da Clara Trupi de Ovos y Assovios, composto com mais de duzentos (200) trabalhadores de arte e cultura. Esses triplico em performance, conta também com as obras: Pedras e Terreiras, ambas essas instaladas na cidade de Mogi das Cruzes, seguindo a linha especifica de ocupação desses territórios inerentes aos preceitos socioculturais evocados do povo caipira.
Iniciando esse triplico com a performance: Pedras, na qual adentramos o espaço publico urbano do centro dessa Mogi, transpondo-o através de pés descalços esse asfalto da madrugada, perpassando com os dois performers: Chaer e Rodrigo, e as Instalações: Dois Carrinhos de Supermercado Tacando Rosas Nos Postes Apagados da Madrugada, feitos esses em cores esmaltadas diversas, sobre galhos secos de mamonas. Constituindo este limiar dialógico de nossa fragilidade transgressora em Intervenção aos corpos instituídos e arbitrários da madrugada: prostituições, serviços essenciais, barracas de cachorro quente, policias, andarilhos, farmácias, tráfico, devaneios, e todo resto. Essencialmente reverberamos nossos passos irônicos e compostos instalativos, ante as coisificações arquitetônicas desse espaço-temporal da matina. A perpassar sete construções dispostas pelas oligarquias dominantes (de muitos séculos) ou mesmo outras de vigência popular, como as da Mineradora Geral do Brasil, Igreja do Rosário dos Homens Pretos, Shopping Center, entre outros. Nas quais vigoramos nossas instalações em Rosas, ao sarcasmo ou empatia dessas horas, nesses que são territórios erguidos (ou derrubados) desta província, que ainda assim clareia ao fim desses percorreres, na aurora alaranjada do dia.
Na segunda performance deste composto: Clareiras, reverberamos os passos, plásticas e ritmos que se dão dançados à abrasileira, sobre corporeidade abarcadas as manifestações tradicionais desse solo ancestral caipira. São clarividências que se espaçam a cidade colonial Mogi, e adentram outros territórios, em espaços de essencial fé popular. Desenraizamos-nos ao encontro dessas intensidades do outro, desses peregrinos ou transeuntes que percorrem essas estradas, essa especifica Rota da Luz. Sempre em alteridade às graças do outro, ou na profusão das nossas próprias crenças, não nos abandonamos, nos entregamos nos respiros dos ares comuns, desses espaços de margeio, nas vias rurais, nós territórios primitivos. Levando nossas ancestralidades profundas ao âmago, de nossas forças mais intensivas, por quilômetros, por cidades, regiões, matas, terras e vida, nessa clareira que se abre, aos passos dos convivas todos, inclusive os nossos.
Na ultima performance do Triplico Ancestral evocamos: Terreiras, instalada adentro da Mata Atlântica, na Serra do Itapety, retornando a Mogi, marcando o solo primitivo estratificado na pedra. Onde recorremos ao assentamento dessa Performance na instalação: Banheira em Flor, são galhos secos das mamonas deste lugar, que saltam desta banheira vazia, feita aos olhos presentes desta remota ocupação performática. Para serem reverenciados em mandingas de cultura Bantu, Capoeira, Capoeira Angola, nesses riscados de golpes, bailados e resistência que firmam o terreiro, para propiciar repousos aos corpos comuns. Numa preparação aquietada destes viventes: ao iniciar do enfrentamento dos perigos da mata, com a força das constelações todas, e dos seres ancestrais presentes. Resistir se torna queda nesta cidade árida das oligarquias todas, porém nessas corporeidades, nesses timbres de berimbau, e nos galhos que sobem, ainda desejamos flor a esses senhores, e principalmente aos nossos guerreiros comuns. Nestes que dão floreios, sacrifícios e festejos as chamadas de Angola, essas que tocam as palmas das mãos daqueles que não estiveram ali, sem ao menos resvalar nessas.
Fonte de Pesquisa Sociocultural – Ciclo da Mogianidade Caipira.
As expansões territoriais já não eram mote exclusivo dos setores dominantes nos fins do século XVII, nela adentravam camadas sociais majoritariamente populares. São esses fluxos migratórios que surgem duma relação de dominação aos povos originários, ou ora de convivência e miscigenação étnica com estes. São estes territórios caipiras evocados nessa obra, nesse Ciclo da Mogianidade Caipira, da antiga Paulistânia, região essa atribuída à Capitania do Sul, englobando partes dos estados de Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás, Paraná e São Paulo. Nossa Mogi das Cruzes se forma na difusão popular da cultura caipira, que ora deixa de migrar, para em outras localidades buscar sua subsistência, acabando por sedimentar sua cultura. Nesta cultura de bairro que não se isola, mas que se encontra, num pertencimento comunitário, em seus preceitos religiosos, culturais e sociais. Esta cultura hoje de indivíduos à margem da urbanidade, situados nas regiões rurais, correlacionados pelo trabalho na terra em colaboração, como nos mutirões onde o povo caipira em escambo sede sua força de oficio ao roçado alheio. Ou mesmo em comunhão no compartilhar de suas fés, em cortejos, festas e quermesses religiosas populares, ou aos acontecimentos culturais, relacionados aos contadores de causos, aos cantos cururus, as danças, aos congados, as marujadas, mocambiques, e catiras. Destas muitas celebrações coletivas, dessa cultura caipira, esquecida, estereotipada, e que mesmo assim resiste nas margens rurais, periféricas e nas ancestralidades dessa cidade.
Corpo Performático Imanente:
Partirmos esses corpos performáticos da primordial experiência humana do acontecer; esse se elucida em sua origem etimológica: à palavra contigere, que significa em simplicidade: tocar. Acontecer é tocar, por isso tocamos as matérias universais, desde as basais: corporeidades humanas em seu complexo aparato motriz, afetivo, sensorial, mental, imaginário, entre tantos, até as materialidades todas: naturais, animais, artificiais, industriais, entre outras. Tocamos assim o outro em estado imanente (que dilata em nossas performances) para nos encontrar, e deixamos também que esse outro nos toque, pois o acontecimento se dá na confluência indiscriminada das partes todas universais, das matérias da Terra e de seu entorno cósmico: solar, lunar, e outros. Fora nessas zonas de confluências que começamos a nos relacionar deliberadamente com nossas constituições culturais, tradicionais e originárias, que ao largo já nos fundamentavam em suas intrínsecas qualidades. Pois para podermos nos enveredar a criação de aconteceres plásticos distintos, únicos e poéticos, era necessário reconhecer (tocar) aquilo que nos fundamentava, que nos coloca firmados na duração alargada do tempo. Aprofundamos assim em performance esse olhar as concepções do real, da vida, das cotidianidades da urbanidade e do meio rural, em novas concepções do acontecer artístico e humano. Recorremos assim às instâncias do descolamento formal ou temático destas bases constitutivas da vida, a elaborar nossos acontecimentos, ocorridos em bruta singularidade no espaço; numa temporalidade fundadora do fenômeno existente em obra. Pois não há como privar esse (ou qualquer outro) cosmo poético da intensidade significativa da experiência do acontecimento, no corpo do outro: vivente, apreciador, ou de nós mesmos feitores, pois a criação performática é um ato em evidência vital.
Danças Populares e Poéticas do Corpo.
Situada essa Performance na fricção transversal de segmentos tradicionais e contemporâneos, como os Corpos Dançados Abrasileira, imbricados as diversas manifestações culturais do território brasileiro: situando neste fazer à prevalência as de matrizes a Afro-Brasileira, Afro-Caipira, e Caipira como o Congado, Capoeira, Caboclinho, Cavalo Marinho, Bumba Meu Boi, Cacuriá, Jongo, entre outros, que atravessam de referências às ancestralidades de nossos corpos, ritmos e danças. Onde tivemos nas vivências, e experimentações artísticas e culturais com diversos mestres, professores e viventes, como Mestre Silvio Antônio e a Mestra Gislaine Donizeti Afonso da Congada Santa Efigênia, sobre essa tradição do congado e moçambique de nossa cidade, Mogi das Cruzes, como forma de pertencimento a essa cultura ancestral, na qual se decorrerá em seus fundamentos.
Assim como nas intersecções com a brincante Neide Maranhão, e seu grupo de cultura popular brasileira: “Jabuticaqui – Ritmos e Tradição”, à pesquisa das danças populares desta obra, vivenciando o universo popular, fundamentado em suas origens mestiças, a promover a diversidade de nossa cultura brasileira e a importância representativa na formação de nosso povo. Ou mesmo nas vivencias da Capoeira com Joaquim Pedro Tico, professor do Capoeira Grupo Cordão de Ouro – Mogi das Cruzes. Entre outros mestres, e viventes que nos atravessam em suas ancestrais manifestações culturais abrasileira.
Arte Contemporânea:
Nosso intento material se estabelece na transdisciplinar imersão as artes plásticas, visuais, sensoriais do artista, escultor e performer: Mauricio Chaer, que tem em sua trajetória de mais de quarenta e nove anos de ofício ao imergir da Arte Contemporânea. Vigorada desde seu principio as técnicas tradicionais da Escultura em Cerâmica, nesses com eminente reconhecimento internacional; passando pela Escultura Contemporânea em Concreto à Arte Pública. Até as atuais vivenciais as Instalações Urbanas, feita com galhos secos de mamonas, cedro e outras arvores, influídos essas também em intervenções na natureza como à Land Art. E assim nestas intervenções, ocupações e instalações desta última fase de Chaer, se ampliam as possibilidades transversais indiscriminadas com as feituras artísticas as Intervenções Urbanas, Body Art. Happenings, Teatro de Rua, Teatro da Acontecência, Performance, entre outros. Nessas se reúne ao artista multimídia Rodrigo Romão Batista, nas quais nutre aspectos de proximidade estética, temática, cultural que possibilitam camadas de criação infindáveis a constituições de preceitos obrais, que se confundem em sua segmentaridade amalgamar. A estimular uma perspectiva estésica plural, através da criação de formas e acontecimentos, que transitem numa linha tênue: entre compostos plásticos da matéria figurativa e abstrata. Numa via de dilação plástica do acontecimento, que se alarga as perspectivas apreciativas, provocando uma experiência que liberta ao encontro do outro, das manifestações culturais primitivas e tradicionais.
Paisagem Sonora nas Musicalidades de Matrizes Abrasileira:
Tratamos na performance em constituir Paisagens Sonoras evocadas de forma experimental em permanente estado de improviso, no que se origina conceitualmente a etimologia da palavra Providere; estar em contiguidade do acontecimento, dos proveres estabelecidos do tempo e da matéria. Esses compostos carregados de suas recorrentes ancestralidades, em proposições rítmicas estabelecidas culturalmente, que se norteiam em caracteres musicais elaborados de forma singular nestes vértices populares. Que se incumbem dos atravessamentos Caipira, Afro-Caipira e Afro-Brasileiro, como reverberar poético deste referencial rítmico, destes instrumentos sedimentos aos traços populares, como zabumbas, agogôs, atabaques, pandeiros e alfaias, vigorando também as manifestações religiosas afrobrasileiras como a Umbanda, Candomblé de Angola, Candomblé, em ritmos como Ijexa, Samba Cabula, Barravento, Nagô, entre outros. Percorrendo essas musicalidades num evocar de nossas diversas raízes culturais, com referencia aos grupos tradicionais que percorrem nosso Brasil de forma resistente, como os de Congado, Maracatu, Jongo, Cavalo Marinho, Capoeira, Boi, Cacuriá e tantos outros, que influem as bases de nossas poéticas sonoras, rítmicas e musicais neste percurso performático.
Ocupação de Territórios Públicos.
Nossa sociedade vive uma intensa crise do que é de interesse publico, devemos ocupar o que é da esfera publica, do que é responsabilidade social, numa contraposição arbitrariamente restringimos esses espaços de reflexão, elaboramos fronteiras ideológicas, corpóreas e matérias. Abdicamos de espaços de inerência comum, sucateando-os a abrir margem à apropriação da especulação de toda ordem. Vivemos uma cultura instaurada do medo, estes condicionamentos culturais (e já biológicos) de nossa experiência de retroação, negamos o que é da vida, do coletivo, do que fora constituído. Reproduzimos estes preceitos opressivos em microcosmos familiares, estes que se caracterizam coisificados, produtos e propriedades, ao gosto dos pressupostos colonizadores que trazemos arraigados em nossa corporeidade. Nenhum sujeito esta excluso deste domínio opressivo, violento e colonizador, destes paradigmas de coerção, exclusão e cerceamento ao individuo, que muito nos afasta de nossa essência a comunhão humana, por isso ocupamos esses territórios de dialogo. Alargamos assim um intercambio de vozes locais, fora dos grandes centros do estado, em municípios com acesso restrito a produção cultural e as artes. Tratamos duma provocação a cidadania artístico-cultural nestes territórios comuns, valorando uma consciência de pertencimento aos espaços de essência pública, com notória responsabilidade e reconhecimento em seus fazeres artísticos, sociais e culturais. Muitas vezes, esses espaços públicos são sufocados por uma cultura de opressão em suas respectivas cidades, numa via contraria ao que propagam, uma riqueza cultura impar a diversidade, e são a esses que nos propomos a fomentar de forma mínima, com essas difusões, nestes representativos territórios de cultura, através de nossas linguagens, inquietações e estéticas.
PROPOSTA.
Performance – Clareiras.
– Clareiras (2020), da Clara Trupi de Ovos y Assovios, Rodrigo Romão Batista
e Maurício Chaer; participação de Memeu Cabral. Dançada Performance,
Paisagem Sonora, e Instalação feita com galhos secos de mamonas, cedro e
outras árvores. Em dimensões variadas.
Linguagens Referenciais:
Performance, Danças Populares, Dança Contemporânea, Manifestações
Tradicionais, Percussão, Paisagens Sonoras, Arte Pública, Body Art, Escultura
Contemporânea, Land Art, Site Specific e Intervenção.
Duração:
Cerca de vinte (20) minutos.
Distância:
Aproximadamente um (1) quilômetro.
Período de Realização:
Manhã.
Locais:
Estrada de terra, Jardim Aracy, Mogi das Cruzes.
Compostos da Performance:
Essa performance é composta por quatro (4) elementos culturais, corporais,
materiais, e sonoros, que norteiam sua feitura artística e cultural, são essas
que aprofundamos em transversal profusão de suas propriedades individuadas,
reverberando intensivas durações singulares do acontecer em obra. Nas quais
correspondem às perspectivas em Instalação interventiva do espaço comum
(religioso e temporal), aos desdobramentos corpóreos das danças abrasileira,
das artes plásticas transfigurada no corpo performático, e das sonoridades
materializada nas matrizes tradicionais e contemporâneas do fazer artístico-cultural brasileiro. Esses elementos todos que se fundem em um corpo poético
(e vital), em que suas respectivas zonas de diferenciação são potencializadas
na alteridade inerente dessas peregrinações, que compõe assim em
intensidades múltiplas ao acontecimento em Performance.
Compostos I – Ocupação Dialógica ao Primitivo da Rota da Luz:
Esse é o trajeto que firmamos em Performance sobre as seculares
peregrinações de povos, tribos, raças, etnias, entre outros, que buscam no
elemento da fé percorrida seu estado de profusão relacional as suas
respectivas divindades cultuadas, sendo religiosas, míticas, místicas, culturais,
entre tantas. E é nessa intensidade correlacional que percorremos em simbiose
a estes fiéis, que caminham neste percorrer. São leituras imersivas destes romeiros que em devoção se propõem aos sacrifícios físicos durante dias; são essas rotas de fuga as rodovias convencionais, em estradas antigas que margeiam os centros urbanos dessas cidades, que atravessam nossa Mata Atlântica, Serra do Itapety, essa Mogi. Trazemos neste referencial os devotos perpassam esse rito de deslocamento de longas distâncias, para adentrar estados de profunda imanência primitiva com o tempo. Pois nesses passos de congraçamento coral, se fazem unidade intensiva, ao vigorar das camadas singularizadas, nestes múltiplos que somos. Estabelecem nessas diásporas de firmamento: cosmos transcendentes, que criam essa concentração de forças ao Imago Mundi, como discorre Mircea Eliade sobre os
territórios de fé. E nós em obra performática, dispomos nossos devires tantos, a compor em alteridade de espaço e tempo com esses peregrinos, um constituir de fé
indiscriminada, universal e imanente. Numa ode de desterritorização da fé, em
que esses passos dançados, caminhados, tocados, são pela vida, pelas
ancestralidades e as fés indiscriminadas (sendo majoritárias ou minoritárias)
que nos atravessam. Buscamos esse estabelecer de congraçamento, de relação que se forma nessas qualidades estritamente diferenciais, desses corpos em devoção
popular, e de nossos corpos em arte, em performance, em danças, em
deslocamento dos espectros cotidianos. Trazemos assim esses compostos de
reatualização simbólica do habitar comum, imergindo os viventes dessa
temporalidade performática em correlação neste espaço de encontro, entre
indivíduos dessa cultura comunitária, cultura caipira, cultura interiorana, cultura
as margens que se afirma em seus preceitos fundamentais ao que concerne às
potências concêntricas em intensidades, desejos e espaçamentos diversos.
E é neste Site Specific, nessas ocupações territoriais, nosso enfoque a intervir
no acontecer, para tornar o acontecimento em vida e performance, nos
elementos corpóreos, dançados, sonoros, esculturais e instalativos que
dialogam com esse meio circundante. Que abrimos em caminhos imanentes à
transcendência mística da fé, nesses objetos imateriais que suscitam nossos
imaginários singulares, populares ou sociais. Nesse lugar de epifania secular,
que muito nos é similar no que constitui aos nossos corpos do prover à criação,
nesses vetores imanentes à composição plástica, que insurgem em cada
fragmento dos acontecimentos conceituais, narrativos e performáticos que
discorremos em performance.
Compostos II – Andarilhos Dançados Abrasileira para Abrir Luzes:
Caminhamos feito andarilhos sem delimitação alguma, nesta incursão
performática que se decorre nesses espaços de devoção popular, dessas
seculares rotas que se fazem presença ao seu epicentro religioso. Nós num
contrapondo as vigoramos em seu arbítrio temporal, o caminho se faz em
intermitência de fluxos contínuos, não há irrupção, há apenas dilatações
dançadas, pisadas, passadas, fenômenos antropológicos dos povos nômades,
em que as desterritorizações dos corpos, das matérias, dos afetos, das
linguagens, se fazem essenciais para constituição intensiva do acontecimento,
como conceitua Gilles Deleuze. E são nos atravessamentos de identidade que
aferem nossa ancestralidade ao vigor de nossa imanência latente: originária,
caipira, afro-caipira, migrante, imigrante, entre tantas. Anterioridades que nos
dão firmamento, potencialidades conhecidas, e mais ainda: desconhecidas, são
nestas que nos deleitamos na contiguidade temporal; deste ocorrer peregrino
em poéticas presentificadas do real e do transcendente. São corporeidades
dançadas aos traços abrasileira, que o performer Rodrigo Romão Batista
instala nessa imersão pública, atravessando sua vivência as corporeidades
imanentes as diversas manifestações tradicionais e culturais brasileira.
Perpassando as danças populares de inerência caminhar, constituída em
transcorreres de Cortejos, desde as sedimentares em traços sincopados, as
mais marcadas de assentamento corpóreo, como as do Congado, que tem em
seu cerne religioso popular a devoção aos Santos Negros e Nossa Senhora do
Rosário. Ou mesmo o Caboclinho, de evidente cunho referencial aos povos
originários dessa terra, onde se espaça nas danças de passos etéreos,
saltados e leves, em desenhos corpóreos que percorrem os espaços públicos
em cortejos profanos de carnaval. Vigorando também as danças populares de
roda, como o Cavalo Marinho, que se assenta em sua tradição na visceralidade
antropológica dos trabalhos de corte da cana, expondo em seu folguedo seus
múltiplos personagens e brinquedos, que espoliados socialmente se
estabelecem em sua dança de trotes hábeis, rígidos e assentados, que impõe
uma saída existente as opressões das classes dominantes. Contudo, também
trazemos à evocação da resistente Capoeira, que em justaposição: é luta,
brinquedo e dança popular, se modula nas múltiplas especificidades de sua
tradição de corpo modal, cíclico, mântrico, ou mesmo em contraposição: liberto
em múltiplas nuances de força, dilatação, velocidade, ritmo, entre tantos, pois
há de ser plural diante das violências seculares desde os contextos de
expropriação escravista até ao sumo da exclusão social contemporânea as
minoritárias negras, pobres e periféricas.
Essas manifestações que se amalgamam em suas proximidades estéticas,
sociais, míticas, religiosas, culturais, que nos dão amplas camadas de
constituição em acontecer de obra, performance e de vida. Sedimentando
esses elos de pertencimento, para encontrarmos nossas singularidades, que se
expandem na expressão dessas poéticas, dessas durações tangíveis de
essencialidade fundadora do tempo, do nosso tempo, única em sua feitura
antropológica, ritualística, sonora, plástica, dançada em reverência as muitas
luzes que nos perpassam.
Compostos III – Paisagens sonoras da tradição ao contemporâneo.
Nossos corpos materiais nesta performance se propõem a alteração intensiva
no reverberar dos acionamentos sonoros, esses que se alargam na feitura
rítmica do espaço público, das vozes dos transeuntes, dos passos desses, nas
naturezas que emergem em acontecimento, e tantos outros mais, que nos
abrimos a alteração de nossos passos, passadas, trotes, pisada, bailados,
entre tantos. E dessas Paisagens Sonoras que provém deste cosmo
organizacional de nossas materialidades imanentes, que provem as tensões
evocadas de objeto a objeto, de pau que aflige o couro da Zabumba, ou nesses
metais estratificados do Agogô, que se impõe a vibração latente, entre outros
que dilatam em nossos aconteceres dançados. Reverberam-se esses além dos
espaços constituídos, em veemências sensórias que atravessam os corpos
atuadores, pois ainda é inevitável que essas intensidades sonoras ocupem ao
largo as corporeidades todas (as experiências de Jonh Cage trazem a tona
singulares paradigmas sobre esses relevos sonoros). Entoando ânima aos
seres que se achegam nesses ocorridos sonoros, e aos que essencialmente
perpassam esses caminhos de muitas fés. São esses atos musicais
percussivos que adentram os espaços todos, para fundar novos tempos, em
durações efêmeras, pois é tudo perene e perecível na caminhada.
Memeu Cabral traz a sua imersão às múltiplas percussividades dos caminhos
percorridos pelo Brasil, com sua brasilidade de arranjador de singularidades
rítmicas, pulsos métricos, afetividade aos timbres, e neste dilata nossos
aconteceres todos. A alteridade musical se dá nessa peregrinação com seres,
pássaros, crianças, mata, luzes, que atravessam esses acontecimentos
públicos, nada escapa de sua intensa relação. O som se torna corpo em
performance, neste que é metafórica relação de acalanto as nossas
anterioridades culturais, artísticas e sociais, diante dos contextos sistêmicos de
opressão oligárquicas de toda parte, nos quais estamos às margens
periféricas, urbanas e rurais, como caipiras ancestrais e viventes minoritários
que somos, em pulsos intensos das matérias todas.
Compostos IV – Instalação do Costeiro de Galhos Secos.
Será assim em Arte Pública que evocamos em nossos corpos os galhos secos
de mamonas, cedro, e diversas outras espécies de árvores, em tratamento
envolto de parafina, verniz, tinta acrílica e amarrações de fios distintos, como
cipós, cordas, e barbantes. Faremos assim nossa Instalação Escultural
dialógica à espacialidade pública, em formas abstratas e em cores vivas
indiscriminadas (acentuadas primárias) no deslocamento lírico da visualidade
pública das margens rurais destes lugares de peregrinação.
Mauricio Chaer dá essas intensidades em seu próprio corpo, partindo do
costeiro que se dilata em suas costas, tocando os ares, deste caminho de
muitas graças, resvalando para riscar sua plástica aos elementos naturais e
coisificados que convergem nesses espaços de inerência pública e primitiva.
Instalamos as memórias de mais de quarenta e nove anos de ofício desse
artista pleno, que se expande no espaço público em bruta celebração da vida,
da arte, do outro.
Esse é o seu campo de imersão atual as transversalidades; um grafite de
Galhos Secos instalados no bailado indiscriminado de seu corpo, nessas
banais mamonas encontradas nos terrenos baldios dessa cidade. Que em
Instalação se arriba do corpo de seu feitor, em mote conceitual da Body Art,
pois ele é suporte também de sua obra em acontecimento performático, como
fora referenciado Oiticica em seus Parangolés.
É a escultura rural que andarilha sobre o sol latente dessas estradas, que nos
revelam a legitimidade temporal dessas cores quentes de vida latente que
transformam seu corpo, suas formas e cores em pele de natureza morta (em
realidade) de plena existência: nascida em Performance. Elevando a
habitualidade dessas concepções artísticas em novas concepções intensivas
de nosso fazer material, assim Chaer é descendente imigrante, português,
sírio, caipira, brasileiro (sem orgulho algum), que vigora seu deleite, com esses
galhos sacrificados pelo tempo, que torna renascimento no contraste dessas
matas, fios plásticos, terras, muros, bichos, postes dessas passagens
seculares de vida e fé. São essas as Luzes reais, nada metafóricas,
essencialmente solares, da vida, do acontecer; que tomam nossas cores
tantas, pois assim é necessário nessa Performance se dar: no vigor das horas
primeiras do dia, nesses clareios de peregrinação dos corpos dançados.