A privação de movimento ocasionada pelo modo de vida capitalista atrofia o corpo (seus músculos, articulações, sentidos, emoções e pensamentos), a captura da subjetividade e o condicionamento corporal através das coreografias sociais são uma tentativa de domesticar as nossas presenças no mundo, e acabam por amortecer nossas sensações, nos distanciando da experiência corpo-mundo. No entanto, tudo que é colocado sob pressão intensa alguma hora explode.
Desde a invenção dessa hierarquia civilizada, o ser humano universal (homem cisgênero, hétero, branco e sem deficiência) foi colocado em um pódio. Hoje, as tecnologias de submissão ao controle foram tão refinadas de forma que somos responsáveis pelo próprio adestramento. Analisando a própria expressão “ser humano”, me arrisco a traçar um paralelo com a famosa frase de Simone de Beauvoir, que seria algo como: não se nasce humano, torna-se.
Nos tornamos humanos ao internalizar padrões de resposta e comportamento que, se forem bem assimilados e reproduzidos, nos permitiria a entrada no clube da humanidade. É a mentira do merecimento, por mais esforço que tenhamos em tentar alcançar esses parâmetros, se não atendermos às demandas estéticas e comportamentais desse padrão, jamais seremos aceitos como tal. Por isso as dissidências são tão perigosas. O corpo começou a ser visto como algo perigoso pois não podia ser plenamente explicado ou entendido, o que dentro da sociedade cartesiana significa perigo, uma farsa, uma ameaça às verdades que nos trouxeram até aqui.