NOME DA PERFORMANCE:
APOCALYPTUS
PROPOSTA CONCEITUAL:
Partindo da percepção do impacto da monocultura na biodiversidade da Mata Atlântica (BRACK, 2007; AMIGO, 2017), a performance procura chamar a atenção, de modo poético e lúdico, para a relacionalidade entre pensamentos e práticas monoculturais na agricultura e indústria e as limitações socioculturais impostas à plena manifestação das diversas formas de existência.
Toma como base e inspiração as noções de “fabulações travestis sobre o fim” (LEAL, 2021), “programa performativo” (FABIÃO, 2013, 2008), “fabilhetações” (RAVENA, 2022), “plantação cognitiva” (MOMBAÇA, 2020) e “monoculturas da mente” (SHIVA, 2003).
Elejo a abelha e seu zunido como manifesto, como ser vivente polinizadora de florestas e mundos, ameaçada como nós LGBTQIAPN+ pelas monoculturas capital-falo-centradas. A inspiração vem da uruçu-amarela, espécie nativa da Mata Atlântica extremamente sensível ao desmatamento, que sobrevive somente em ambientes com maior extensão de mata (BERGAMASCHI e CARVALHO DE ALENCAR, 2019:34).
Nesse contexto, vou zunindo pensares e fazeres em conexão com a pesquisa de doutoramento “Práticas ecoperformativas: relações entre cena e ambiente em percursos criativos contemporâneos”, sob orientação do prof. Dr. Antônio Araújo (Teatro da Vertigem), com apoio da FAPESP (Processo n. 2023/06191-4). A investigação procura diálogos entre artes performativas e ecologia, dando continuidade e aprofundamento ao Práticas do Presente, um programa de pesquisa, criação, formação e difusão artística que desenvolvo há nove anos junto à produtora Água Viva Cultura e Sustentabilidade a partir do espaço cultural Samaúma Residência Artística Rural, localizado na zona rural de Mogi das Cruzes/SP, em meio à Mata Atlântica da Serra do Mar.
Aqui as discussões sobre o fim, as transicionalidades e traições às cisgeneridades irmanam-se pela força humana e espiritual das feitiçarias bixas, travestis, transviadas, e daquelas além-humanas, de bichos, pedras, rios e árvores. Uma perspectiva dialógica às ecologias queer/cuir (SANDILANDS e ERICKSON, 2010; CARRARA, 2021), percebendo a derrubada das florestas nativas e a consequente aniquilação de sua biodiversidade como paralelo cruel de um pensamento e práxis capitalista cisbrancoheteromachista opressor e violento à vida humana, não-humana e interespécie.
Em performance vou fabulando esse apocalipse de mentes, corpos e práticas monoculturais (SHIVA, 2003), dessa “exorbitante euforia da monocultura, que reúne os birutas que celebram a necropolítica sobre a vida plural dos povos deste planeta” (KRENAK, 2022:40).
A performance foi realizada pela primeira vez na praça Coronel Almeida em Mogi das Cruzes no mês de abril de 2023, elaborada a partir do curso “Fabulações Travestis sobre o Fim”, coordenado pela profa. Dra. Dodi Leal no Programa de Pós-Graduação da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Criada como proposta original a partir das provocações do curso e reperformada agora pela programação da Mostra do Corpo Contemporâneo, vou pelo jogo lúdico e poético em figura de abelha, fabilhetando fim-turos em dança com as pessoas ali presentes, viventes à espera no ponto de ônibus e transeuntes desse espaço determinado como marco-zero da cidade de Mogi das Cruzes, praça de concreto que pavimenta os sentidos da Mata Atlântica originária local.
REFERÊNCIAS:
AMIGO, I. Na Mata Atlântica brasileira, os esforços de conservação afundam-se num mar de eucalipto. In: Mongabay – notícias ambientais para informar e transformar. Mongabay Series: Florestas Mundiais, 2017.
BERGAMASCHI, C. L; CARVALHO DE ALENCAR, I. Guia didático das abelhas sem ferrão do Parque Natural Municipal Vale do Mulembá. Vila Velha: Edifes, 2019.
BRACK, P. As monoculturas arbóreas no país que negligencia sua própria biodiversidade. In: INGÁ – Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais Porto Alegre – RS – Brasil, 2007. Disponível em: http://www.inga.org.br/docs/parecer_monoculturas.pdf.
CARRARA, E. Contra natura: ecologias cuy(r) y afectividades biodiversas, 2021.
FABIÃO, E. Programa performativo: o corpo-em-experiência. In: ILINX – Revista do Lume, n. 4, dez. 2013.
KRENAK, Ailton. O amanhã não está à venda. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
_______________. Futuro ancestral. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
LEAL, Dodi. Teatra da Oprimida: últimas fronteiras cênicas da pré-transição de gênero. Porto Seguro: UFSB, 2019.
_______________. Fabulações travestis sobre o fim. In: Conceição / Conception – Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena do Instituto de Artes da UNICAMP. v.10. Campinas, 2021.
MOMBAÇA, Jota. A plantação cognitiva. In: MASP Afterall – Arte e Descolonização. São Paulo: Museu de Arte de São Paulo, 2020.
RAVENA, I. Por travecamedotologias de criação em arte contemporânea. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Instituto de Cultura e Arte, Programa de Pós- Graduação em Artes, Fortaleza, 2022.
SANDILANDS, C.; ERICKSON, B. Queer Ecologies: Sex, Nature, Politics, Desire. Indiana University Press. 2010.
SHIVA, Vandana. Monoculturas da Mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Ed. Gaia, 2003.
LOCAL DA PERFORMANCE, CONTEXTO DO AMBIENTE ESCOLHIDO E IMPACTO NA AMBIENTAÇÃO:
A performance acontece na ativação de 3 espaços simbólicos-cenográficos concebidos em relação à Praça Coronel Almeida, no centro de Mogi das Cruzes:
1. um ninho, cenograficamente instalado no tronco de uma grande árvore local;
2. uma área retangular no chão de concreto da praça, coberta por folhas brancas de papel e delimitada por pedaços de eucalipto
3. o espaço da praça de concreto entre e ao redor dos espaços 1 e 2.
Através da realização da performance na praça considerada marco-zero da cidade de Mogi das Cruzes, procuro problematizar a monocultura de mentes pelas escolhas do uso do pavimento de concreto no local e da fundação da cidade como projeto de opressão violenta à Mata Atlântica original e à biodiversidade de seus seres viventes, como abelhas nativas e pessoas LGBTQIAPN+. Escolhas marcadas pela quantidade de concreto utilizada no chão, no obelisco, na igreja e demais construções, além do asfaltamento dos arredores, e que contrastam com algumas grandes árvores remanescentes, imponentes símbolos de resistência.